
Uma louca obsessão
Na sexta análise de livros do escritor Stephen King, aqui na Coluna Canto do King, trago Misery – Louca Obsessão, publicado em 1987. Como tantos outros livros, também ganhou adaptação para cinema sob a direção de Rob Reiner em 1990. O filme Misery segue de maneira fidedigna a obra literária com atuações magníficas de James Caan e Kathy Bates.
Arrisco dizer que em Misery encontramos o ápice do terror característico da escrita de Stephen King. O escritor explora aspectos atordoantes do comportamento humano como a obsessão, fanatismo e psicopatia. Apesar de ser uma obra menos ovacionada, garante o lugar entre as histórias mais angustiantes e violentas que ele criou. Vamos mergulhar no tenebroso mundo de Annie Wilkes e descobrir como o fanatismo pode arruinar a vida tanto do objeto adorado quanto do adorador.
A publicação é da Editora Suma e a tradução fica ao encargo de Elton Mesquita.

Dois personagens e um enredo tremendo
A narrativa gira em torno de dois personagens: o escritor famoso Paul Sheldon e a enfermeira Annie Wilkes. Com essas duas figuras centrais King consegue desenvolver um enredo atordoante e assustador.
A história inicia com Paul Sheldon preso em uma nevasca ao tentar voltar pra casa depois de um longo período isolado para finalizar seu último livro sobre a história de sua personagem mais famosa, Misery. Justamente essa sua criação será o motivo dos seus maiores infortúnios, quando ele é resgatado de um acidente na neve por Annie Wilkes.
O que há de errado com Annie?
Annie é a personagem que concentra em si todo o aspecto macabro da história. A princípio, é apresentada a nós como uma mulher na casa dos 40 anos, dócil, prestativa e afável que se autoproclama a fã número 1 dos livros de Paul Sheldon. Ela o resgata e leva para sua casa/sítio afastada.
Lá, a enfermeira cuida dos ferimentos de Paul e o trata com carinho e zelo, porém, há indícios de que algo é estranho em Annie. Ela vive solitariamente e conversa com sua porca de estimação, seus hábitos são inquietantes. King constrói em torno dela uma sensação de que mesmo sendo tão falante, simpática e dedicada, Annie esconde algo. Ela tem algo errado.
A fã número 1
A partir do momento que ela começa a conversar com Paul sobre sua admiração, notamos os primeiros sinais de sua estranheza em relação à personagem central das histórias do escritor: Misery. Ficção e a realidade se misturam na cabeça de Annie de uma forma doentia.
O fanatismo alcança o nível assustador no qual Annie nutre ressentimentos por Paul porque ele pretende matar sua personagem favorita. Percebemos que ela não é uma pessoa sã e deposita nas histórias escritas por Paul o sentido da sua vida. Qualquer semelhança com algumas pessoas na vida real é mera coincidência, certo?
Assim como nós leitores, Paul vai percebendo aos poucos as estranhezas de Annie. Ela o priva de qualquer contato com o mundo exterior e justifica-se falando da nevasca que a impede de levá-lo ao hospital. Essa desculpa não se sustenta por muito tempo.
Personagens femininas e a psicopatia
É muito interessante a construção dessa psicopata feminina que Stephen King elabora. Annie se mostra capaz de atos tão cruéis e desumanos que Jack Torrance, possuído pelo Overlook em O Iluminado, se torna inofensivo (leia nossas resenhas desse livro aqui e aqui).
Annie começa as sessões de tortura em Paul Sheldon após ler os rascunhos finalizados do seu último livro ainda não publicado. Ao descobrir o destino da protagonista, Annie enlouquece. Somos levados por uma crescente onda de tensão até esse ponto da história. A condição de Paul piora, ele percebe que está a mercê de uma psicopata.
O escritor desconfia o tempo inteiro que Annie possui um jeito peculiar, mas só toma consciência da dimensão da sua loucura quando ela queima o original do seu último livro. Assim, Annie o obriga a escrever tudo de novo da forma que a agrade. Se Paul não agradar, Annie empreende seus atos de tortura física e psicológica.
“Ele gritava, gritava. A dor! A deusa! A dor!”
Durante as sessões de tortura, ela quebra os ossos já fraturados das pernas de Paul mais de uma vez. Deixa-o sem remédios para dor ou injeta sedativo forte, deixa-o sem comida e sem água o que o obriga a beber a própria urina. Além de todas pressões psicológicas as quais ela o submete.
Nesse ponto, King constrói uma psicopata feminina que quebra sua vítima física e, principalmente, mentalmente.
Acompanhamos a luta de Paul imobilizado sobre uma cama. Ele tenta a todo custo entrar nos jogos mentais de Annie, mas ela se mostra imprevisível.
O ponto alto das torturas se dá quando Annie usa um machado para amputar o pé de Paul após uma tentativa de fuga. O que torna o comportamento de Annie chocante é o fato dela justificá-lo através do seu fanatismo por Paul. Ela alega durante todas torturas que faz o que faz por amor e porque ele a magoa.
Wilkes e a “coisa ruim”
Analisando mais de perto Annie Wilkes podemos notar a presença do elemento característico das histórias de King a “Coisa Ruim” em sua derradeira revelação psicótica.
Por outro lado, Annie também se explica pura e simplesmente por seu distúrbio mental, a psicopatia. A realidade nessa história é pouco permeada por aspectos sobrenaturais ou fantásticos, é a pura realidade crua e sem artifícios. É uma história que gira em torno da loucura.
O desfecho é benéfico para Paul que consegue se livrar de Annie enfrentando-a em uma luta terrível. King acrescenta nessa luta discretos traços do sobrenatural na forma que Paul enxerga Annie, como um monstro, um demônio que não morre, mas essa perspectiva está associada à mente traumatizada de Paul Sheldon. Não há elementos que nos façam encarar Annie como um monstro no sentido literal.
Fanatismo, ficção e escrita
Misery é um livro curto. O desenrolar dos fatos é direto e implacável. Stephen King cria a atmosfera ideal para nos fazer sentir presos com Paul Sheldon compartilhando suas dores, angústias e desespero.
Apesar de cruel é inevitável não nos afeiçoarmos também à Annie, pois, mesmo dentro de sua obsessão paranoica King consegue transmitir a possibilidade de nos compadecer com a loucura de Annie embora, de fato, nos sintamos inclinados a torcer por Paul Sheldon o tempo inteiro.
Esse livro consegue proporcionar reflexões mais profundas como outras obras de Stephen King. Essa narrativa mostra o verdadeiro dom do escritor ao criar enredos de terror e o perigo daqueles que se deixam embrenhar demais no universo ficcional ao ponto de misturar realidade e ficção.
Reflexões finais
Quando vemos notícias de massacres motivados por alguma obra, caímos na discussão recorrente sobre até que ponto uma obra pode influenciar as atitudes de pessoas mentalmente perturbadas.
Por isso Misery é um exemplo do ponto que alguém consegue descer fundo no universo ficcional, precisando estar predisposto a isso por um histórico de perturbação mental. Annie Wilkes é uma psicopata e acabou encontrando na obra de Paul Sheldon gatilhos que agravassem a sua doença. Solitária, não tinha pessoas ao redor capazes de detectar a bomba relógio que carregava dentro da cabeça.
O ato criativo requer coragem e cuidado, pois, não sabemos quem estará consumindo a obra, mas não acredito que o artista deva ser culpabilizado por atos de “admiradores” perturbados. E vocês, já leram Misery? E o que acham da leitura e desse tema?
Espero vocês na próxima segunda-feira! Vamos conhecer a história do adorável Cujo, um cãozinho que acabou metendo o fuço em lugares perigosos.
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História sensacional! Angustiante do início ao fim!
Esse só vi o filme mas me lembro de ter sido angustiante demais. Preciso ler o livro!
Ótima resenha, a Larissa é incrível!
Seja bem vinda ao blog Lucianna. Realmente ela é muito boa no que faz e temos muito orgulho de tê-la como colaboradora!
não li toda a analise pra não pegar spoiler sahushaushau