Canto do King: Cujo

Coluna Canto do King - Larissa Prado - Canto do Gárgula
Coluna Canto do King – Larissa Prado

A história de Cujo

Na análise de hoje da Coluna Canto do King, iremos falar sobre o livro Cujo, de Stephen King publicado em 1981. A obra ganhou adaptação para o cinema em 1983 sob a direção de Lewis Teague.

Cujo - Stephen King - Editora Suma - Larissa Prado - Coluna Canto do King - Canto do Gárgula
Cujo – Stephen King – Editora Suma

O filme foi fiel ao enredo do livro, mas como acontece na maioria das adaptações não conseguiu alcançar a profundidade de certos detalhes que só serão percebidos na leitura do livro.

A publicação é da Editora Suma e a tradução fica ao encargo de Michel Teixeira.

Apenas um cachorro grande e dócil

O enredo da história gira em torno de um cão da raça São Bernardo, que é gigante, muito além do tamanho normal da raça, e dócil. Mas contrai o vírus da raiva após ser mordido por um morcego. Até então a história não nos apresenta nada fora do normal, correndo o risco ao primeiro olhar de parecer algo bobo.

Porém, à medida que o romance avança notamos a habilidade inquestionável do autor em transformar experiências cotidianas em tenebrosas vivências sobrenaturais. Vamos investigar os motivos que fizeram Cujo entrar para a lista dos livros mais perturbadores escritos por Stephen King.

A imaginação infantil e o medo

Começamos a história sob o ponto de vista de um garotinho assustado, Tad Trenton, filho do casal Vic e Donna Trenton. Ele tem verdadeiro horror de um suposto monstro que vive dentro do seu armário. A figura do monstro é associada a um serial killer policial que assombrou o passado da cidadezinha para qual a família se mudou, localizada no estado do Maine.

Tad está relacionando com frequência o que ele e vê no armário à ideia do assassino. Nesse sentido, King explora a mente infantil e sua vulnerabilidade em se assombrar e recriar medos.

Tad impressionou-se com as histórias que ouviu sobre o serial killer e acaba associando o homem ao que existe no armário. Apesar de seu pai acalmá-lo toda noite e tentar provar que não há nada ali, o garotinho nunca se convence disso. E nós, como ele, não conseguimos ser convencidos, pois, King traz à tona essa presença maligna do armário como algo possível de ser real.

Embarcamos assim no pânico de Tad, toda noite que ele vê os olhos da Coisa espreitando no escuro do closet e quando escuta sua voz pútrida.

O medo e a “Coisa Ruim”

Nesse ponto, podemos identificar o elemento “coisa ruim” que atua em quase todas histórias criadas por King. Essa força maligna é responsável por alterar às escondidas todo destino dos personagens envolvidos na trama.

Em Cujo, a forma como o autor constrói o paralelo entre a força má e a realidade dos personagens nos remente à figura de Pennywise no livro IT- A Coisa (leia nossa resenha aqui). Pois, a coisa ruim na história de Cujo é interpretada pela criança em estado de pânico como se ela se alimentasse desse medo.

Não vou me alongar e descrever todas passagens do enredo. Vamos investigar como a “coisa ruim” atua na realidade tornando as situações cotidianas em vivências macabras e envoltas pelo sobrenatural.

O cão raivoso

O elemento central da narrativa está no significado da raiva como vírus que foi transmitido ao São Bernardo enquanto caçava um coelho. É interessante ressaltar que o morcego vivia num buraco em que existia acesso a um espaço subterrâneo na propriedade da família Camber, donos do animal.

Esse buraco é camuflado pela vegetação e quase ninguém nota sua existência. Este é outro elemento de aproximação entre Cujo e o enredo em IT- A Coisa. A presença do mal sobrevive e cresce no subterrâneo desconhecido da cidade, numa espécie de dimensão paralela.

A raiva em suas diversas formas

O vírus da raiva é abordado por King, não apenas sob o viés científico da doença em si, ele usa a palavra Raiva em suas diversas possibilidades de interpretação. King praticamente elabora uma reflexão sobre o que é a raiva e como ela atua no organismo e na mente usando o sentimento e a doença como faces da mesma moeda.

O casamento de Vic e Donna Trenton é abalado pela traição de Donna que almeja voltar nos tempos da juventude, sentir-se liberta. Nesse aspecto, King abre uma brecha nas falas de Donna para apresentar a situação da mulher na sociedade, enquanto dona de casa submissa e sua função como mãe.

Crítica aos papéis sociais de cada gênero

Ele traz à tona uma crítica velada sobre os papéis dos gêneros que foram culturalmente e socialmente delimitados. Uma prova de que King teve a intenção de mostrar a mulher como um ente ativo dando a ela maior liberdade de expressão e atuação foi o fato de ter escolhido Donna para cometer a infidelidade, e não, Vic, como é habitualmente construído nas ficções.

Steve, o amante de Donna, frustrado e insatisfeito por ter sido dispensado, envia uma carta anônima a Vic no trabalho informando sobre a traição da mulher.

O amante, Steve Kemp, é um escritor que tem em torno de si toda a áurea da liberdade e independência almejadas por Donna. Sua presença na história é fundamental para guiar a crise na família Trenton e, também, mostrar de maneira metafórica a necessidade de Donna em se libertar de uma vida da qual ela não se sente feliz.

Após a descoberta da traição, Vic Trenton mostra-se em conflito com o sentimento de raiva que nutre pela esposa, ele sente como se estivesse doente por tal sentimento assim como Cujo ao ser mordido pelo morcego e ter a mente transformada pelo vírus. A raiva atua de maneiras quase semelhantes na mente do cão infectado e das pessoas quando sentem e alimentam o sentimento de raiva.

Apenas uma ida à oficina

Vic precisa fazer uma longa viagem à negócios com o sócio, eles possuem uma pequena empresa de publicidade que está falindo. A relação com a esposa tenta sobreviver, eles decidem continuar juntos e superar a situação. A viagem de Vic é o principal elemento que fará Donna e o filho Tad cruzarem o caminho com um Cujo infectado e louco pelo vírus da raiva.

O carro de Donna está com defeito e a todo momento apaga deixando-a na mão. O marido não tem tempo de levar para o mecânico. Joe Camber é dono de Cujo e mora afastado do centro da cidade.

Quando Vic viaja, Donna resolve levar o carro até lá sob os próprios conselhos do marido. Donna se assusta com o tamanho de Cujo, na época um dócil e brincalhão cachorro, Tad brinca um pouco com ele e mostra o quanto é inofensivo.

Havia Cujo no meio do caminho

A história passa a ter seu aspecto sombrio e perturbador no momento que Donna e Tad estacionam na porta da garagem do mecânico e notam que não há nenhuma presença ali. Charity, a esposa de Joe e o filho Brett viajaram para casa de parentes enquanto o rude mecânico ficou por ali, pois tinha planos de viajar com o vizinho. A essa altura Joe e o vizinho estão mortos, vítimas dos ataques ensandecidos de Cujo.

A transformação do cachorro em algo demoníaco é o fator de maior presença do sobrenatural na história. King mostra os pensamentos do cão e nos leva a acompanhar a loucura que envolve sua mente canina antes tão dócil e amável.

Cujo, na sua irracionalidade de animal, culpa tudo e todos pelas dores terríveis que sente e por seu sentimento de raiva, ele sente necessidade de atacar, morder e matar todos seres humanos, pois interpreta que são as fontes do mal que lhe abateu.

Nesse ponto, notamos novamente o paralelo entra o sentimento habitual de raiva com a doença em si. Quando estamos com raiva nossa mente tende a culpar tudo em volta, se tornando irracional como o cão, os únicos pensamentos surgem das ideias de fazer o mal e atacar o quê ou quem está nos deixando raivosos.

Encurralados

O carro de Donna não pega mais, quebrou definitivamente. Ela passa dias de um calor insuportável dentro do carro trancada com o filho que aos poucos perde líquido e um pouco da sanidade.

Donna tenta a todo momento achar uma maneira de sair do carro e correr para a casa, mas Cujo está sob vigília e as poucas vezes que ela tenta sair do automóvel ele se choca contra sua porta. Donna precisa, então, manter todas janelas fechadas. Cujo cerca o carro, em alguns momentos some na escuridão da oficina fazendo Donna crer que foi embora, mas sempre reaparece mais demoníaco e transformado.

Ela e o cão travam embates apenas na troca de olhares. À medida que essa situação vai se agravando notamos que Donna também começa a ser envolvida pelo sentimento de raiva de toda impotência em ajudar o filho. Ele claramente está morrendo no interior do carro por desidratação e enlouquecendo por medo.

É uma situação que King leva ao extremo após nos mostrar Cujo conseguindo atacar Donna quando ela sai do carro em um acesso de desespero pela vida do filho.

O cão rasga sua coxa e braço, são os momentos finais da angústia. Tad já não fica consciente por muito tempo e Donna está entregue à raiva. As cenas descritas por King nos fazem sentir a própria agonia e dor da personagem.

Enquanto isso…

Vic Trenton está em Nova York tentando fazer contato com a mulher. Ele se mostra preocupado, e liga para a polícia local ir checar sua casa. Os policiais vão checar e encontram o imóvel depredado. Steve Kemp, o amante de Donna, passou por lá antes de sumir no mundo e simplesmente destruiu a casa da família. A atuação de Steve é importante para que a polícia comece a investigar o desaparecimento de Donna.

O policial designado para ir checar a oficina de Joe Camber, após Vic informar que aconselhou a esposa a levar o carro lá, é morto por Cujo e Donna vê sua única chance de salvação morrer com o policial. Ele é, literalmente, despedaçado por Cujo aos olhos de Donna presa no carro.

Daí em diante, Vic retorna para casa a fim de ajudar na busca. Ele é quem encontra a mulher e o filho. A cena que Vic Trenton encontra ao chegar na oficina é o ápice do terror que King desenvolve para fechar a trama. Donna desceu do carro após a morte do policial, ela aproveita que Cujo está distraído matando-o e pega um taco de beisebol com o qual Brett Camber, o filho do mecânico e verdadeiro dono de Cujo, brincava em cenas passadas.

Donna x Cujo

Ela espanca Cujo até morte em um embate perturbador entre cão e mulher. Cujo demora a morrer. É como se o vírus da raiva conferisse a ele uma força sobrenatural e uma sede assassina, Donna, por sua vez, está tão infectada de raiva quanto Cujo. Ela se transforma completamente ao deixa-lo reduzido a uma pasta de pelos no chão.

Após morrer, Cujo continua sendo atacado por Donna, ela reduz o taco de beisebol a lascas, está tão envolvida em sua própria raiva que por um momento esquece que o filho está desacordado no carro.

Vic Trenton ampara a mulher, e quando vai checar Tad constata a morte do filho. Aparentemente, Tad morreu há várias horas e Donna não percebeu, estava muito distraída sentindo sua raiva por Cujo. Quando ela vê o filho morto, a loucura se instala. Donna é levada pela ambulância, praticamente, amarrada tamanho acesso de loucura que lhe recaí sobre a mente.

A raiva é, altamente, contagiosa

No fim das contas, notamos que a todo momento o sentimento de raiva está à espreita dos personagens. Seja do amante renegado que destrói a casa de Donna e sua vida, seja de Vic Trenton ao descobrir sobre a traição da esposa, Joe Camber e seu jeito violento com a esposa e o filho, e por fim, o próprio Cujo, um ser irracional e dócil que age apenas por instintos. O animal é a principal vítima de um mal sobrenatural que muito pouco está associado com o vírus que ele contraiu.

O mal trabalhado na obra está em todo lugar e se alastra pela vida e mente das pessoas, realmente como um vírus no ar. Como acontece na maioria dos desfechos de King, Vic e Donna se entendem e a dor da perda de Tad e todo trauma da situação os torna mais unidos. Após a morte de Joe, Charity e Brett se reconhecem melhores embora a perda de Cujo também tenha abalado o garoto Brett que termina o livro ganhando um outro filhote.

O final é revelador, pois, King deixa subentendido que não é o fim de eventos macabros. A caverna onde o morcego infectado mordeu Cujo continua camuflada e escondida, ninguém descobriu-a. Lá, pode ser o centro de todo mal que continuará assolando as pessoas.

Uma história de tirar o fôlego

É um livro envolvente, pois o ritmo de todas cenas é atordoante. Stephen King não nos dá tempo para respirar de um acontecimento perturbador a outro. Isso torna a narrativa movimentada.

O início é um tanto lento, para que possamos compreender como os personagens se relacionam. Porém, depois da primeira atuação de Steve Kemp ao enviar o bilhete sobre a traição as coisas começam a se tornar obscuras e agitadas. É o tipo de livro que não lemos, devoramos. E você já leu Cujo, o que achou da história do cão raivoso?

Até a próxima segunda-feira, iremos mergulhar na análise de Christine, a história peculiar sobre um carro amaldiçoado!

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4 comentários em “Canto do King: Cujo

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  1. Gosto muito desse livro apesar de que fiquei alguns dias com medo do meu cachorro hahahahahaha!
    King sempre impressiona, envolve e normalmente assusta.

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