
O poder de uma obsessão
A análise de hoje do Canto do King será do livro Christine, publicado em 1983. Assim como outras obras, Christine foi adaptado para o cinema sob a direção de John Carpenter (O Enigma de outro mundo). Porém, o filme fez uma abordagem superficial deixando a desejar em aspectos essenciais da história.
King traz em suas histórias personagens que são obsessivos por algo ou possuídos por sentimentos sombrios. Em Christine, o principal personagem é um carro modelo Plymouth Fury 58 de um belo vermelho vibrante. Aficionados por carros entenderão o sentimento despertado em Arnie ao ver o Fury pela primeira vez.
A publicação é da Editora Suma e a tradução fica ao encargo de Louisa Ibañez.

Uma história sobre maldição
O enredo do livro gira em torna de três personagens: Arnold “Arnie” Cuningham, seu melhor amigo Dennis Guilder e claro Christine, o Fury 58. Arnie compra o carro de um estranho homem, Roland D. LeBay. Além dos três protagonistas, conhecemos Leigh Cabot. Ela é uma bonita e novata do colégio, que será o elemento chave para abalar a amizade entre Arnie e Dennis.
A história de Christine não é apenas sobre a obsessão de Arnie pelo seu novo carro e a transformação sobrenatural pela qual passa. Há aspectos obscuros que King deixa entrever.
Diferente de outras histórias, em Christine o autor segue um ritmo mais lento, dando pistas de que há algo estranho com o carro de Arnie. A suposição de que um carro tenha vida própria é por si só inacreditável. King consegue tornar o absurdo em algo crível e começamos a temer Christine como se teme um personagem psicopata ou um espectro diabólico.
A amizade entre opostos
A primeira parte do livro é narrada pela voz e visão de Dennis Guilder. Ele nos dá pistas de como seu amigo Arnie sempre fora visto como um perdedor. Humilhado desde a infância e com problemas de acne que o tornavam desagradável esteticamente.
Dennis é o oposto de Arnie. Sua família é bem entrosada enquanto os pais de Arnie o controlam e manipulam o tempo. Eles exigem o tempo todo que ele seja bom com as notas e entre em uma boa universidade. Ele joga futebol americano e se dá bem com as garotas. Arnie ao lado de Dennis é sempre a figura do perdedor, mas os dois se amam, pois, é o único amigo que Arnie possui. Dennis passou boa parte da infância e da adolescência salvando o amigo dos constantes episódios de humilhação.
Com a entrada de Christine na história a amizade de tantos anos entra em declínio, bem como, a personalidade pacata, dócil e introspectiva de Arnie.
Conhecendo Christine
Arnie vê o carro enquanto volta do colégio. Dennis que está dirigindo-o e ele implora para Dennis parar o carro e vai ver Christine. Ela não passa de uma sucata estacionada no quintal de um homem velho.
Através da visão de Dennis podemos notar o cintilar estranho nos olhos de Arnie quando ele toca a lataria de Christine. Ele compara aquele tipo de olhar que vê no amigo como se ele estivesse vendo o primeiro amor da sua vida, não um carro, mas uma garota.
Nesse momento conhecemos Roland D. LeBay em vida. Ele está usando um colete ortopédico encardido e fétido, um sotaque caipira e bonachão. Envolto em xingamentos e mau humor, um velho solitário e ex soldado da guerra.
Dennis não gosta de Roland D. LeBay. Ele vende o carro por um preço muito baixo à Arnie, como se quisesse se livrar dele, mas há uma estranheza naquela relação, como se Roland LeBay estivesse apenas esperando o comprador certo para sua Christine e Arnie tivesse sido atraído até lá. Os dois fecham negócio e a partir de então a vida de Arnie e sua família transforma, no mau sentido.
Christine, um carro vivo
O primeiro elemento de estranheza e sobrenatural é percebido por nós, leitores, quando Christine passa a se restaurar sozinha, sem o trabalho de Arnie. Como um bom mecânico ele a leva para garagem de Will Darnell (Faça você mesmo) e passa a trabalhar nela, incansavelmente. Mesmo que Arnie passe a maior parte do tempo mexendo em Christine, o dono da garagem nota como ela está se tornando nova rápido.
O próprio Arnie sabe disso, mas ignora dizendo a todos que tem se empenhado muito em deixá-la restaurada. O carro é motivo de desacordo em casa. Passa a responder e enfrentar os pais, principalmente a controladora mãe Regina. Sua acne desaparece e ele passa a se vestir diferente, falar e se locomover de uma nova maneira.
O velho Arnie desaparece sobre essa nova versão que cospe palavrões e é debochado. Até mesmo sua aparência sofre uma inversão. Dennis repara ao olhar para o amigo como seu rosto está envelhecido e de alguma forma não parece mais Arnie e sim, Roland LeBay, que morreu logo depois que se livrou de Christine.
Uma relação simbiótica
O que notamos a partir de então é a relação cada vez mais simbiótica entre Arnie e Christine. Quando está atrás de seu volante ele sente-se capaz de tudo, não há medo ou humilhações. Arnie não percebe sua total devoção e obsessão com o carro. Isso afasta de todos à sua volta, incluindo a bela Leigh Cabot, a garota mais linda da escola, com quem estava saindo e namorando.
Na segunda parte do livro temos um narrador onisciente. Depois que Dennis sofre um terrível acidente jogando futebol americano ele precisa ficar longos meses no hospital.
O carro assassino
Nessa parte do livro as coisas se tornam obscuras de uma maneira típica do universo kingniano. Começa a série de assassinatos inexplicáveis por ataque de um carro. As vítimas são todas da gangue de Buddy Repperton, um antigo valentão da escola que batia e acabou destruindo Christine por vingança contra Arnie. Membro por membro da gangue sofrem mortes brutais nas quais um carro sempre está envolvido. O que chama a atenção de Junkins, detetive da polícia local.
Aqueles que cercam Arnie, como seu pai, Dennis e Leigh passam a desconfiar que o garoto esteja envolvido de alguma forma nessas mortes. Mesmo possuindo álibis convincentes ninguém consegue falar disso em voz alta.
O desconforto em relação a Arnie só cresce em torno de todos. Ele está cada dia mais irreconhecível e usando colete ortopédico depois de algum jeito misterioso que deu nas costas ao consertar Christine. Porém, este colete Roland LeBay também usava.
A transformação de Arnie
Quando Arnie vai visitar Dennis no dia de ação de graças no hospital, o amigo nota sua transformação drástica e pede para ele assinar novamente seu gesso da perna quebrada. Arnie assina e para surpresa de Dennis quando compara mais tarde com a assinatura feita há algumas semanas na outra perna, não é a mesma, Arnie está possuído por algo e Dennis acaba sempre lembrando-se do antigo dono de Christine, o velho mal encarado e estranho, Roland LeBay.
O que acontece daí por diante é o total desmoronamento das relações de Arnie com todos, inclusive consigo mesmo. Ele próprio não consegue mais se reconhecer quando está longe do seu carro.
As mortes continuam e Christine, autogovernada, mata o detetive Junkins e o dono da garagem onde Arnie a estacionava, Will Darnell. Primeiramente porque estava desconfiando e chegando a certas conclusões perigosas sobre os acidentes. Segundo por tê-la visto chegar sozinha na garagem. Aqui vemos como King constrói aqui uma atmosfera macabra e sobrenatural acerca de um carro amaldiçoado.
Há dois caminhos que podemos seguir a partir do momento que Dennis unido à Leigh passam a investigar o passado de Christine e Roland LeBay. O carro está sendo amaldiçoado pelo espírito do antigo dono ou havia um espírito no carro que possui quem o detém?
O passado de LeBay
A filha de LeBay morreu engasgada com um hambúrguer no carro. Ele não fez nada para ajudá-la enquanto sua mulher aparentemente se matou dentro do carro com monóxido de carbono.
As duas mortes seriam uma forma de sacrifício em que LeBay conecta seu espírito com a máquina mesmo após da morte? LeBay era um homem ruim ou foi possuído por algo assim como Arnie?
Christine e a “Coisa Ruim”
Aqui entra o elemento “Coisa Ruim” presente nas histórias de King que alteram completamente o rumo da vida dos personagens afetados por Ela. Em alguns momentos percebemos que Christine, independente de seus donos, age por si própria. É como se possuísse artimanhas, sentimentos diabólicos que se fundem à mente daquele que a controla.
É um objeto amaldiçoado mesmo antes de ter sido de Roland LeBay. Porém, o espírito do homem está possuindo Arnie, fazendo-o se tornar uma cópia do que foi. Para Christine ter tal poder precisaria de mentes como a de LeBay e a de Arnie, enfraquecidas de alguma forma.
O irmão de Roland LeBay, George, ao conversar com Dennis enquanto o mesmo está investigando, relata que o irmão nunca foi um bom homem. Ele era violento e briguento, e foi expulso do exército por isso. Com um gênio como o de Roland LeBay somado ao poder diabólico de Christine nos dá o ideia do que é a maldição do carro.
Arnie por ser um rapaz vulnerável e humilhado a vida toda, ao entrar em contato com tal poder foi rapidamente envolvido pela obsessão. Ele ganha uma sede de poder e de vingança por todos que o humilharam.
Objetos amaldiçoados
O carro derrama bastante sangue e faz uma tremenda carnificina antes de ser vencida por Dennis Guilder e Leigh Cabot ao fim do livro. Dennis arquiteta a ideia e acaba contratando um caminhão que tira entulhos do esgoto, o dono da máquina a chama de Petúnia. Com ajuda de Leigh ele atraí Arnie, já completamente transformado, para antiga garagem de Will Darnell, e lá acontece o desfecho do livro.
Após ver ambos juntos, Dennis e Leigh, Arnie chega ao ápice de sua raiva. Ele se ausenta-se da cidade com a mãe, driblando-a (algo que o antigo Arnie jamais faria). Isso para deixar Christine fazer seu trabalho sujo de eliminar os “bostas” traidores: Dennis e Leigh. Seriam suas últimas vítimas.
Na garagem, o plano de Dennis e Leigh está correndo bem até o momento que Christine se esconde sem que eles a percebam. Leigh corre para fechar a porta e o Fury 58 vermelho acende seus faróis (que parecem olhos diabólicos). Ele então passa a tentar matar Leigh a qualquer custo.
Um fim aterrorizante
O mais importante no desenrolar dessas últimas cenas são todas visões que Dennis e Leigh tem do carro. Ele é controlado por um cadáver em decomposição, o próprio Roland LeBay. O cadáver tem ao seu lado o corpo de Michael, pai de Arnie, morto por monóxido de carbono.
As descrições macabras das visões feitas por King é o ponto alto do horror na história. Christine traz dentro de si todos aqueles que já matou, incluindo a filha e a mulher de LeBay, mortas nos anos 50.
Após uma luta arriscada contra Christine, Dennis consegue fazer Petúnia funcionar. Ele esmaga o Fury 58 definitivamente, mesmo que ela ainda dê sinais que está se restaurando. Ele continua passando por cima do carro inúmeras vezes enquanto a lataria se retorce “parece o grito de uma mulher” como descreve Leigh em total assombro.
Eles conseguem derrotar Christine na garagem de Darnell, porém, como vemos no Epílogo, Christine nunca morre, o que está nela jamais morrerá. Dennis nos conta o que aconteceu após o confronto com Christine, passados 4 anos. Ele e Leigh seguiram rumos diferentes, ela se casou e mudou, porém, eles trocam cartões postais.
É o fim da maldição?
Arnie morreu em um acidente com a mãe enquanto iam para a faculdade que ele havia escolhido no mesmo momento em que derrotavam Christine. O acidente de Arnie, segundo a polícia, foi misterioso como se o furgão em que estavam tivesse sido esmagado por todos lados. Isso que nos mostra a conexão entre Christine e Arnie, um só poderia viver com o outro.

No Epílogo, Dennis deixa nas entrelinhas que está preocupado. Algumas notícias que andou lendo nas páginas policiais falam sobre a morte de um homem por um carro desgovernado. Mesmo depois que Christine foi esmagada e compactada em um pequeno bloco de metal retorcido, há forças que nunca dormem.
O fim é inconcluso deixando a tensão que guiou toda história pairando no ar. Ficamos uma solução definitiva, algo que King faz bem em seus desfechos.
Entre os livros mais assustadores
E o que vocês acharam de Christine? Teriam coragem de dar uma voltinha no Fury de Arnie? Espero vocês na próxima segunda-feira. Vamos conhecer a cidade de Desespero e seus mistérios, uma obra que assim como Christine está entre as mais assustadoras envolvendo maldições e personagens possuídos.
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