Psicopata Americano: muito mais que violência

Um livro que só falta pingar sangue e pedaços humanos em cima de você. Eis o nível de violência que encontrei em Psicopata Americano, de Bret Easton Ellis. Publicada originalmente em 1991, a obra ganhou em 2020 uma edição da Darkside Books. A tradução é de Paulo Raviere. Mas já adianto: é muito mais do que apenas violência explícita.  

Narrado em primeira pessoa, o livro nos leva para dentro da mente perturbada do protagonista Pat Bateman. Ele é a típica figura do yuppie dos anos 80, época em que se passa a história. A saber: a palavra vem da sigla de Young Urban Professional (“jovem profissional urbano”). Refere-se a jovens executivos ricos e bem-sucedidos. E com algumas características em comum na forma de se vestir, agir e consumir. Por isso, eles são todos muito parecidos. Com toda a certeza, o autor não destaca esse aspecto à toa. Dessa forma, é partir daqui que vemos a potente construção literária empreendida por Ellis.

Psicopata Americano - Breat Easton Ellis - Darkside Books - Coluna Canto Delas - Colunista Camile Queiroz
Psicopata Americano, de Breat Easton Ellis

Made in USA. Modelo: Yuppie.

Assim como os artigos que consomem, os próprios yuppies de Psicopata Americano são também produtos. E são todos exemplares de um mesmo modelo. Por várias vezes, personagens confundem e são confundidos com outros colegas yuppies. Eles se chamam pelos nomes errados, não se reconhecem. São todos tão iguais, que nem eles mesmos conseguem se distinguir entre si. Como resultado, isso rende situações que variam entre o cômico e o puro suspense.

Ao criar essas cenas, o autor sugere que eles não têm individualidade. Não possuem características próprias. Estão todos reduzidos à condição de objeto. E ainda por cima, descartável. É uma crítica sutil, porém contundente, à padronização a qual esses homens se submeteram. A ponto de ganharem até um nome específico para seu grupo.

A sensação de invisibilidade é reforçada também nos diálogos. Em vários momentos, os personagens não se escutam de fato. Eles não prestam atenção ao que o outro diz. Estão presos em seus próprios monólogos. Ninguém se importa realmente com ninguém. Os vínculos de amizade, família ou os envolvimentos amorosos são ilusórios. Estão todos vivendo de aparências e escondendo as dores, frustrações e fraquezas. No caso de Bateman, escondendo até mesmo uma personalidade sociopata.

A desumanização pelo capital

A desumanização vai ganhar contornos ainda mais dramáticos em Psicopata Americano. Ellis confronta os egocêntricos yuppies com moradores de rua. Riqueza e pobreza extremas convivem lado a lado em Nova York, onde se passa a história. Sabemos que isso acontece em qualquer grande capital. Bateman e seus colegas não sentem nenhuma piedade dos pobres. Ao contrário, se divertem humilhando ainda mais a pessoa que está ali pedindo ajuda. No livro, os yuppies são seres desprovidos de humanidade. Também são incapazes de reconhecer a humanidade no outro. Se é o nível de consumo que dignifica o homem, pobres não merecem consideração. Se é o excesso de dinheiro que torna alguém respeitável, então mendigos são nada mais que lixo. O protagonista levará esse desprezo ao nível mais extremo.

Diga-me onde comprou e te direi quem és

Para Pat Bateman, tudo se resume a consumo, marcas e aparência. Ao descrever os outros personagens, ele cita roupas, acessórios e sapatos. Bem como os respectivos preços e marcas. Ao passo que as características físicas não são mencionadas. Nem quase nada da vida pessoal, pois ele só enxerga a camada do consumo. O mesmo acontece com objetos de decoração ou qualquer outro produto. Bateman nos diz onde comprou, quanto custou e as principais características do modelo. Devido ao excesso de descrição, o livro é cansativo em alguns momentos. Apesar disso, esse é um recurso narrativo interessante. Afinal, ele faz uma ácida crítica ao consumismo. E, principalmente, traduz a forma como Pat vê o mundo e as pessoas ao redor.

Não espere por um thriller

O livro começa lento. A princípio, Pat Bateman parece um “cidadão de bem”. Ele descreve sua rotina. Vai a muitos eventos sociais, vai para a academia e para o trabalho. Aos poucos, o autor vai inserindo pistas da mente deturpada do protagonista. Vamos lentamente compreendendo seu real nível de loucura. A narrativa demora a pegar um ritmo mais intenso. Portanto, não espere por um thriller policial cheio de adrenalina do começo ao fim. A obra é um mergulho na mente de um psicopata. A narração em primeira pessoa nos mostra como ele percebe a si mesmo e aos outros. E é uma percepção bastante distorcida. Vemos então um drama psicológico com muitas críticas sociais e profundas reflexões existenciais. E, claro, muita violência. No decorrer da história, o personagem entra em uma espiral de piora da loucura. Com o aumento do frenesi, explode seu impulso assassino incontrolável.

Banho de sangue, tripas e sexo

Antes de ler esse livro, analise se você tem estômago o suficiente. Isso porque o protagonista descreve seus crimes com detalhes. São crimes bárbaros, de uma brutalidade indescritível. E logo se percebe que ele não gosta “apenas” de matar. Pat Bateman é um homem muito perverso. Ele gosta de torturar e de fazer mal a pessoas e animais, de qualquer forma possível. E consegue ser muito criativo nisso. Bateman mata qualquer um, não há grupos que sejam alvos prioritários. Prepare-se: cada crime é um verdadeiro banho de sangue e tripas, com detalhes incrivelmente tristes, nojentos e chocantes. E ele narra toda a destruição anatômica que faz com muita calma e frieza. É como se descrevesse as roupas que está usando ou que exercícios fez na academia.

Não é apenas a violência que vai se intensificando ao longo do livro. O sexo praticado por Bateman também vai ficando cada vez mais pesado. Há cenas muito eróticas, que logo despertam a agressividade do personagem. É na mistura de sexo com assassinato que surgem as cenas mais escatológicas que já li. E quero deixar claro que não estou exagerando. A coisa é de um nível tão extremo que dá para ficar enjoado de verdade. Não à toa, o livro causou polêmicas e sofreu proibições quando foi lançado pela primeira vez nos Estados Unidos. Isso é contado no prefácio dessa edição, assinado por André Barcinski.

O filme: antes de Batman, Bateman versão light

O livro ganhou uma adaptação cinematográfica lançada em 2000. O ator Christian Bale (ex-Batman) faz o papel do assassino. Dirigido por Mary Harron, é uma versão super light. As cenas da obra original são tão pesadas que foi preciso dar uma aliviada bem grande na hora de transpor para as telas. Serve de termômetro: se você viu o longa, saiba que o livro é muito, muito, muito mais violento, macabro e repulsivo. E mesmo assim, é muito melhor também. Ao meu ver, o filme não conseguiu desenvolver todas as camadas trabalhadas no texto literário.

Impactante e atual

Sem dar spoilers, confesso que achei o final do livro um pouco decepcionante. Isso provavelmente porque fiquei esperando que acabasse como um thriller, coisa que já eu disse acima que ele realmente não é. Então, não espere por um final típico de literatura de suspense policial. Talvez assim você não fique frustrado como eu.

Mas, em geral, apesar da violência excessiva e da narrativa lenta, penso que seja uma grande obra literária. Digo isso pelas críticas que faz, pelas questões que suscita e pelo uso original de seus recursos narrativos. Psicopata Americano é, para mim, um dos livros mais impactantes da literatura criminal. E ainda que se passe na década de 80, continua contemporâneo. Talvez seja uma obra atemporal.

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