De Aristóteles à ciência moderna, são várias as explicações do porquê gostamos de sentir medo.

Antes de começarmos, eu te pergunto: você consegue contar quantas obras de terror consumiu nos últimos dois anos? Caso seja amante do gênero, essa conta deve ser realmente difícil de fazer.
Vamos olhar à nossa volta. São milhares de histórias pautadas no medo a que temos acesso. Elas estão presentes em filmes, livros, HQs, animes, mangás, músicas, jogos de video game, de tabuleiro… Além disso, reservamos em nossos calendários datas comemorativas, eventos em parques de diversões, feiras e festivais, tudo isso para contemplarmos e reverenciarmos o medo.
Embora uma parcela da população queira fugir de qualquer coisa que seja categorizado como terror, o número de consumidores do gênero, ou seja, nós, é realmente grande.
E por mais controverso que possa parecer, depois de passarmos por um momento assustador e perigoso, é muito comum nos sentirmos mais vivos, animados, e cheios de energia.
No artigo de hoje, vamos entender por que e como isso acontece.
O medo permitiu a nossa sobrevivência
Segundo o escritor e estudioso Oscar Nestarez, “o medo tem a idade da humanidade.”
Nesse sentido, é importante dizer que o medo e o estado de alerta em que ele nos coloca foram primordiais para a sobrevivência da nossa espécie. Isso porque frente a uma situação de perigo, assumimos uma postura de “luta ou fuga”.
Diante de uma situação ameaçadora, nosso corpo produz o que é conhecido como circuito do medo, ou seja, a liberação de neurônios e neurotransmissores como dopamina, endorfina, adrenalina e norepinefrina – os dois últimos estando diretamente envolvidos na resposta do medo. Esse circuito faz com que tenhamos respostas rápidas e nos deixa prontos para entrar em ação.
Assim, foram essas substâncias as responsáveis por fazer nossos ancestrais aumentarem suas chances de sobrevivência, preparando seus organismos para escaparem ou enfrentarem situações reais de perigo.
A primeira resposta para gostarmos de sentir medo

O ser humano é uma espécie capaz de sentir emoções diversificadas e misturadas. Ainda pensando na explicação que acabamos de ver, conseguimos compreender a primeira resposta para o nosso fascínio pelo medo.
Apesar das reações físicas que ele nos provoca continuarem as mesmas – como a liberação dos neurotransmissores e neurônios, provocando em nós mãos suadas, olhos arregalados e o coração disparado –, nossas situações de perigo são completamente diferentes das que nossos antepassados enfrentaram.
Embora ainda haja muitas situações ameaçadoras em nossas vidas, na maior parte do tempo essas situações perigosas estão inseridas em obras ficcionais, como livros, filmes e séries, ou então em situações simuladas, como escape rooms e atrações em parques de diversão.
Seja como for, a ameaça que enfrentamos não é real e o nosso cérebro sabe disso.
Assim, apesar de continuarmos liberando dopamina, endorfina e adrenalina no nosso corpo, o lado racional que temos em nós entende que aquilo não é de verdade. De acordo com Antônio Nardi, coordenador do Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ, “liberações rápidas de dopamina provocam reações agradáveis e muito prazerosas”.
Dessa forma, é justamente a absorção dessas substâncias liberadas durante o medo que nos fazem sentir bem quando consumimos obras de terror.
Mais alguns motivos do porquê gostamos de sentir medo:
- Distanciamento psicológico. Foi comprovado que, para se divertir com obras de terror, é importante que o leitor/espectador esteja no ponto ideal do distanciamento psicológico. Ou seja, entre produzir o circuito do medo, sentindo-se apavorado, e ao mesmo tempo compreendendo racionalmente que aquele não é um perigo verdadeiro. Segundo o coordenador de psicologia médica e psiquiatria da Unicamp, Paulo Dalgalarrondo, pessoas que sentem incômodo diante de uma obra de terror têm dificuldade em atingir o distanciamento psicológico necessário. “Alguém que não sente prazer com o terror entra demais na história e sente o desconforto que bloqueia a diversão de saber que aquilo não é real.”
- O medo é condicionado. Embora as reações físicas ao medo sejam iguais em todos nós, a forma como lidamos com ele é condicionada. São elementos como nossa cultura, a sociedade em que estamos inseridos e as pessoas ao nosso redor que nos ensinam que relação teremos com o medo. Sendo assim, é provável que pessoas que gostam do terror tenham aprendido a se divertir com obras do gênero, enquanto as que não gostam talvez tenham recebido um estímulo negativo diante do medo.
- Ambiente controlado. Uma das maiores razões pela qual nos divertimos com o terror é saber que estamos em um ambiente seguro e controlado. Ou seja, sabemos que o medo tem hora certa para começar e para acabar. Nós só gostamos de sentir medo porque compreendemos que os perigos que o desencadeiam não são reais, e que por isso não haverá um fim trágico para nós.
Aristóteles e o terror
Uma das primeiras explicações sobre a importância do terror nasceu nas palavras de Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.). Ao definir o efeito da tragédia, ele afirmou que, por meio da piedade e do terror, a tragédia devia causar no público a catarse.
Ou seja, expurgar os conflitos internos dos espectadores e o arrependimento pelos seus pecados. A função das obras trágicas seriam, então, trabalhar questões íntimas e profundas naqueles que as consomem.
É impressionante pensar que estamos mais de dois mil anos depois, e a função catártica das obras de terror continua a mesma.
Cada época tem seu monstro
Do mesmo jeito que determinados brinquedos fazem sucesso com crianças de determinada geração, assim são os nossos medos.
Não é à toa, por exemplo, que num período em que as mulheres se viam obrigadas a ficarem trancadas dentro de casa, a literatura do gótico feminino usou do ambiente doméstico – e tudo o que ele engloba –, como cenário e elementos do terror em suas obras.
Ou quando, durante a Guerra Fria, estouraram nos cinemas filmes em que alienígenas invadiam os Estados Unidos. “Essa era a forma de experimentar o pavor da invasão russa por meio de símbolos e narrativa”, diz Joanna Bourke, historiadora e autora do livro Fear: A Cultural History (Medo: uma história cultural, sem tradução para o português).
Por mais que o medo seja individual, ele se torna um evento social quando retrata os principais pavores de uma determinada época e de uma determinada sociedade. Essa seria “uma prova decisiva de que o indivíduo não está sozinho”, diz Joanna.
Ainda de acordo com a historiadora, “narrativas de desastres ou horror são jeitos seguros e rotineiros de brincar com a morte. Elas são respostas para o mais prosaico e persistente dos medos: o medo da morte.”
A catarse no nosso amor pelo medo

Segundo Mário Costa Pereira, professor de psicologia clínica da Unicamp e de Provence, na França, “a arte é onde o homem dá vazão a coisas muito profundas, onde ele demonstra seus sentimentos”.
Gostar de consumir obras de terror vai além de estimular o medo em um ambiente controlado e seguro. É um momento de encarar aquilo que há de mais obscuro e sombrio dentro de nós mesmos. É estar disposto a enfrentar o que nos assusta e, principalmente, treinar a nós mesmos sobre o que fazer diante de situações difíceis.
Ainda de acordo com Mário:
“O horror é um fenômeno tão duradouro porque, no fundo, é muito mais do que uma diversão. É um momento sério de contato com questões profundas do ser humano de forma muito crua e até física.”
Mário Costa Pereira
Por fim, consumir o terror e encarar o medo é um dos melhores treinos que proporcionamos ao nosso cérebro. Aprendemos a olhar situações que parecem perigosas ou que nos sejam difíceis e encontrarmos saídas para elas.
Sendo assim, faço outra pergunta para encerrar este artigo: você já olhou para o seu lado sombra hoje?
Para conhecer um pouco mais sobre o tema:
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Adorei seu artigo. Concordo plenamente com você. O medo nos fascina. Parabéns…
Muito obrigada, Renato! Fico muito feliz por saber que você gostou!
Bel, parabéns pelo artigo e escolha do tema ! Sua narrativa é ótima !
Muito obrigada pelas palavras gentis, Arnaldo! Fico feliz que você tenha gostado!
Adorei Bel. O medo e o suspense caminham lado a lado, amo quando ambos são bem trabalhados.
Não há nada como uma boa história de terror recheada de suspense, não é? Muito obrigada pelo comentário, Rodrigo! Fico feliz por saber que você gostou do conteúdo!