O que é literatura transgressora

O recente lançamento de Vantagens que encontrei na morte do meu pai, livro da escritora Paula Febbe publicado pela DarkSide Books, vem colocando cada vez mais em evidência uma vertente literária ainda pouco explorada no Brasil: a literatura transgressora. Neste artigo, vamos entender um pouco melhor o que é essa literatura e qual é a sua importância.

Literatura transgressora. Por The Minds Journal.
Literatura transgressora. Por The Minds Journal.

Antes de tudo, porém, é preciso dizer que não é fácil definir o que é literatura transgressora. A escassez de material a respeito do assunto, ou a maneira simplória com a qual ele é tratado, torna difícil contextualizar e caracterizar essa frente literária. O que pode nos fazer cometer alguns equívocos.

Sendo assim, acredito que seja importante segmentar o termo em duas partes: a importância da literatura; e o que é transgressão. Isso nos ajudará a compreender o que é a literatura transgressora como um todo.

Para começarmos, vamos entender…

O que define uma obra como transgressora

Um dos melhores materiais sobre o assunto é, sem dúvida, o artigo publicado no blog da Rocket Editorial. Nele, a escritora e editora Cláudia Lemes explica que obras transgressoras são aquelas que ofendem leis, regras, ou códigos de conduta.

Nesse sentido, então, literatura transgressora é aquela que coloca nos holofotes protagonistas e situações que estão à margem do que consideramos normal. Como, por exemplo, os desejos que um homem já adulto sente por uma menina de doze anos, e o relacionamento que os dois mantém. O nome desse romance é Lolita, escrito por Vladimir Nabokov, conhecido mundialmente. Ou então, a relação incestuosa vivida por Cathy e seu irmão mais velho, Chris, na trilogia A saga dos Foxworth. Escrita por V.C. Andrews, a história toda é um conjunto de assuntos densos, publicados, entre 1979 e 1986.

Em outras palavras, as narrativas transgressoras nos apresentam personagens fora da esfera social. São eles serial killers, psicopatas, pervertidos, fazendo-nos enxergar o mundo de acordo com a sua ótica. É isso o que faz com que essas histórias sejam tão incômodas, embora viciantes na mesma medida.

Muito além do tabu

Se estamos falando sobre histórias que ofendem ou violam leis e códigos de conduta, estamos falando, então, de temáticas consideradas tabus.

Os mistérios da mente, por Paperworker.
Os mistérios da mente, por Paperworker.

É importante, no entanto, ficarmos atentos para um aspecto. Embora seja inerente para a literatura transgressora a abordagem de assuntos tabus, isso não significa que toda obra que retrata um tabu será transgressora. Para que isso aconteça, depende de como o(a) autor(a) vai trabalhar essa narrativa, de modo que ela tenha força o suficiente para que se torne algo transgressivo.

A importância da literatura

A literatura é a expressão artística que tem como matéria-prima as palavras. E assim como acontece com as demais, muitas vezes ela acaba por representar costumes de uma determinada sociedade, de uma determinada época.

Sua importância, porém, vai muito além disso. De acordo com o estudioso Jean Bellemin-Noël:

“É pela literatura que tomamos consciência de nossa humanidade, que pensa, que fala. Pois a língua que se aprende nas relações quotidianas com os pais e amigos só serve para agir: perguntar, responder, para viver. Em suma, só com alguma coisa como a literatura (mesmo que tenha sido oral nas eras e civilizações sem escrita) que o homem se interroga sobre si mesmo, sobre seu destino cósmico, sua história, seu funcionamento social e mental.”

(Bellemin-Noel, 2003, p. 12 apud MAMEDES, p.03)

Assim, uma vez que a literatura é uma forma de arte, a catarse faz parte dela. O que significa que, mais do que retratar aspectos externos, a literatura explora aquilo que o homem tem de mais genuíno: o desejo de compreender a si mesmo e aos seus iguais.

O que é transgressão

Como vimos no início do artigo, transgredir é o ato de infringir ou violar regras e leis. Neste tópico, vamos falar um pouco mais desse conceito, mas trazendo uma visão foucaultiana para ele.

Na tentativa de entender a verdade sobre o funcionamento das instituições, Foucault foi em direção àqueles que por elas são restringidos. Ou seja, os considerados loucos, anormais, os torturados e os encarcerados.

Esse deslocamento de olhar permitiu que ele enxergasse situações e objetos jamais considerados até então. Para ele:

“A transgressão não está, por tanto, para o limite (…) como o proibido para o permitido; o exterior para o interior; o excluído para o espaço protegido da morada. Ela (transgressão) está mais ligada a ele (limite) por uma relação em espiral (…). Talvez alguma coisa como o relâmpago na noite que, desde tempos imemoriais, oferece um ser denso e negro ao qual ela nega, o ilumina por dentro e de alo a baixo, deve-lhe entretanto sua viva claridade, sua singularidade dilacerante e ereta, perde-se no espaço que ela foi assinalada com sua soberania e por fim, se cala, tendo dado um nome ao obscuro.”

(Foucault, 2001, p. 33 apud OLIVEIRA, 2015, p.24)

A partir dessa fala, a filósofa Judith Revel explica que a transgressão e o limite não são opostos entre si. Pelo contrário, ainda que possuam existência individual, um depende do outro para ser vislumbrado claramente. Sendo assim, o raio não é oposto da nuvem e a nuvem não é o oposto do raio. Ambos apenas são compreendidos e vistos no momento em que se chocam, coexistindo.

Dando nome ao obscuro: a literatura transgressora

Por fim, pensando nos conceitos estudados acima, podemos entender a literatura transgressora como uma poderosa ferramenta. Ela não apenas desloca o nosso olhar, tão habituado com a zona de conforto que nos cerca, como também ilumina e evidencia o espaço tão pouco explorado, e muitas vezes temido, que existe além do limite do que compreendemos como moral e socialmente aceitos.

Ilustração de Pawel Kuczynski.
Ilustração de Pawel Kuczynski.

Sendo assim, estar em contato com obras transgressoras é mergulhar em uma reflexão profunda sobre o que de mais perturbador existe dentro do ser humano. Uma tentativa de que, ao compreendermos isso, então compreenderemos também a nós mesmos.

Dicas de leitura

Referências

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