A obra definitiva que precisávamos ter
A Editora Clepsidra presenteia seus leitores com Os Fungos de Yuggoth, de H. P. Lovecraft. Obra seminal do autor, nos quais 36 sonetos nunca antes haviam sido traduzidos com tamanho cuidado e crítica, mantendo métrica, ritmo e sonoridade.
Devemos este labor exacerbado ao tradutor e poeta Douglas Cordare, que já assinou outras traduções poéticas da editora. Entretanto, o trabalho aqui ganha níveis de dificuldade extremos, os quais Cordare venceu com absoluto domínio poético e tradução impecável, de incrível fluidez.
Antes de cada soneto temos uma ilustração belíssima de Jason C. Eckhardt, que prepara a atmosfera para o leitor. Inegavelmente, é incrível perceber como elas ambientam a leitura.
O prefácio de David E. Schultz é um tratado
Primeiramente, devemos salientar o fato de que o prefácio, com suas mais de noventa páginas, é realmente um tratado. Escrito por David E. Schultz, o texto mergulha em uma pesquisa profunda sobre a concepção destes sonetos.
Ganhamos a real dimensão do que vamos encontrar, entendendo que Lovecraft reúne, como um enorme álbum de recortes, trechos variados de suas memórias, sonhos, previsões e criações.
Schultz nos apresenta não apenas a concepção dos sonetos, como também nos faz viajar por suas idas e vindas. Várias histórias reais dão consistência ao mito que dessa maneira circundam esta coleção de poemas, desde sua criação até a primeira publicação unificada. Inúmeros fatos permeiam a obra, incluindo o próprio falecimento de Lovecraft. Uma perspectiva única e incrível do que realmente temos em nossas mãos.
Os Sonetos e as notas
Os poemas por si só, evocam vez por outra alguma lembrança ao leitor mundano, contudo não temos a visão total nem da obra de Lovecraft e tampouco de sua cronologia. Além disso, esta é uma edição bilíngue, o que maravilha obviamente, dando chance a múltiplas experiências.
Surpreendentemente, depois de ler tais sonetos é se deparar com as notas posteriores de David E. Schultz. Por consequência, fica nítido como a pesquisa dele vai muito além, conseguindo dar ao leitor a precisa visão de como Os Fungos de Yuggoth estão profundamente conectados com tudo o que Lovecraft escreveu.
Muito mais do que um simples arroubo literário de Lovecraft, temos sem dúvida um verdadeiro mapa de tudo o que ele falou em sua obra. Ele mostra que antes de ser um prosador, por certo é um poeta exímio. Em outras palavras, as conexões são inúmeras e é estonteante poder se deparar com cada elo, estejam elas na sua cosmologia ou nas suas experiências de vida.
Os paratextos mais do que necessários
Se as edições da Editora Clepsidra possuem uma marca inconfundível, dentre tantas possíveis de elencarmos, certamente uma delas são seus paratextos. Abaixo comento sobre cada um deles, para que você possa entender como são fundamentais.
Posfácio de Caio Bezarias
Caio Bezarias nos presenteia com uma análise ímpar. Ela nos permite entender a importância desta obra. Autor do livro Mitologia Lovecraftiana: A Totalidade pelo Horror (leia nossa resenha aqui), por sinal uma das melhores obras sobre H. P. Lovecraft já escrita em língua portuguesa, Bezarias mais uma vez nos mostra seu olhar aguçado sobre o trabalho não apenas de Lovecraft, mas também de David E. Schultz em seu prefácio e suas notas.
Ele nos aponta como em Os Fungos de Yuggoth, Lovecraft renega o rótulo de adjetivador exagerado, através de sua poesia. Esta é, por sinal, uma dentre inúmeras colocações interessantes em seu texto. Leitura obrigatória e rica, como sempre.
O apêndice de Felipe da Silva Vale
Ao terminar estupefato o posfácio, é a vez de Felipe Vale da Silva nos maravilhar com a análise do homem Howard Phillips Lovecraft. Dissecando as experiências do Cavalheiro de Providence, ele nos leva por uma caminhada histórica, seguindo os passos do autor.
Visitamos assim os locais por onde ele andou, seus círculos sociais, o relacionamento com sua companheira Sonia Greene e tudo mais que fez o recluso perceber que o mundo era muito maior do que ele sequer imaginava. Neste momento realizamos que qualquer opinião que tivéssemos sobre o autor está errada, para não dizer pedante e rasa.
Felipe nos mostra o ser humano em sua miríade de possibilidades. Somos convidados a perceber um homem, que repleto de visões limitadas, se percebe em meio ao caos urbano de um mundo frenético. Lovecraft não foi feito para aquele mundo e sua visão escapista acaba se revelando uma forma pessoal de lidar com tudo o que se defrontava. Que texto!
Uma tradução primorosa
O trabalho de Douglas Cordare precisa ser novamente elogiado. Seu texto final, para mim, foi a carta de um desbravador. O testemunho de um bravo que subiu nos ombros de Lovecraft para nos entregar o melhor.
Este livro inegavelmente já pode ser considerado como uma obra prima na história brasileira das publicações de H. P. Lovecraft. Não existe igual, nem mesmo paralelo. Terminamos assim, assombrados pelo trabalho executado pelo tradutor.
Considerações finais
Em conclusão, temos uma pérola rara conseguida através de um trabalho primoroso de resgate. Trazer Os Fungos de Yuggoth da forma como este livro se apresenta, certamente pode ser visto como um marco não apenas no catálogo da editora, como também no mercado literário. Deixo aqui meu elogio e admiração ao editor e amigo Cid Vale Ferreira.
Se você, assim como eu, deseja conhecer mais sobre H. P. Lovecraft, este livro precisa estar na sua estante, lhe atormentando pelo resto dos dias. Representa certamente a obra prima de um homem repleto de questões pessoais que ousou mostrar o seu tormento ao mundo, ao preço pessoal que fosse.
Deixo assim uma pergunta final: já garantiu o seu?
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